Um escândalo! Não existe outra maneira de descrever o que acontece numa faculdade particular do Paraná: três estudantes que levam uma vida confortável têm bolsa integral e estudam com dinheiro público. Além disso, recebem um benefício de R$ 300 por mês. A repórter Renata Cafardo explica como tudo isso foi possível.
Casas confortáveis em bairros nobres da cidade. Carros que podem valer R$ 55 mil. Este é o padrão de vida das famílias de três universitárias de Maringá, no norte do Paraná. Elas são Belisa Stival, Camila Colombari Medeiros e Milena Lacerda Colombari. Estão no quarto ano de Medicina na Uningá, uma faculdade particular com sete mil alunos.
O valor da mensalidade é de R$ 3.200, mas as três não pagam nada. Ganharam um benefício que é o sonho de milhares de estudantes: uma bolsa do ProUni - o programa federal para universitários carentes.
Mas como elas conseguiram? O Fantástico passou duas semanas em Maringá, investigando esse escândalo.
Segundo o Ministério da Educação, Milena Colombari começou a receber bolsa integral do ProUni em 2005, quando fazia Biomedicina na Uningá. Em 2008, mudou para Medicina e continuou estudando de graça.
Milena mora com os pais e o irmão numa casa com piscina. O pai dela é dono de um bufê, inaugurado em outubro do ano passado. Para uma festa de quatro horas com 200 convidados, o bufê cobra R$ 7 mil, valor suficiente para pagar com sobras dois meses de faculdade de Milena.
Procuramos a estudante de Medicina. Ela acha justo receber o ProUni.
“Esse ano até a gente passou por certas dificuldades. Nem viagem pra praia a gente não foi. Antes era comum de ir”, comenta Milena.
Existem regras rígidas para receber as bolsas do ProUni. Por exemplo, é preciso ter cursado o ensino médio em escola pública ou ter sido bolsista integral em colégio particular. E o principal: comprovar que a renda mensal familiar, por pessoa, não passa de um salário mínimo e meio: R$ 765.
Por telefone, o pai de Milena Colombari reconhece que atualmente a família ganha mais do que esse valor.
“Minha renda hoje está um pouco acima disso. Nunca mais ninguém pediu pra gente estar fazendo isso ou aquilo, apresentando esse ou aquele documento”, diz o pai de Milena.
Camila Colombari Medeiros, que também estuda Medicina na Uningá com verba do ProUni, vive num sobrado com a mãe e uma irmã. Segundo o MEC, ela começou a receber bolsa em 2008.
Encontramos Camila indo pra faculdade num carro que, zero quilômetro, custa pelo menos R$ 40 mil.
Repórter: Você tem bolsa do ProUni?
Camila: Tenho.
Repórter: Fala um pouquinho.
Camila: Eu tô com pressa, eu tenho médico agora.
Repórter: Não tem problema algum de ter bolsa e ter carro?
Camila: Esse aqui foi presente do meu pai.
Belisa Stival, que desde 2008 também estuda sem pagar nada, geralmente anda de carro popular. Mas o pai circula num automóvel novo, avaliado em R$ 50 mil. A família, de quatro pessoas, mora numa casa de dois andares.
Repórter: Você tem bolsa do ProUni?
Belisa: Tenho.
Repórter: Você estudou em escola pública?
Belisa: Não, não estudei. Mas fui bolsista.
Repórter: Em escola particular?
Belisa: Sim.
As três alunas que estudam Medicina na Uningá desde 2008 com bolsa do ProUni deixaram de pagar, juntas, quase R$ 300 mil em mensalidades.
É a própria instituição de ensino que decide quem recebe a bolsa do ProUni. A lista é depois encaminhada ao Ministério da Educação.
As três jovens de Maringá - que ganharam a bolsa integral - têm parentes em cargos importantes na faculdade.
Belisa é filha de Ney Stival, o diretor de ensino da Uningá. Camila é filha de Vânea Colombari, coordenadora de cursos profissionalizantes. Já Milena é sobrinha de Vânea.
As três universitárias têm ainda outro benefício do ProUni: a chamada bolsa permanência. É uma espécie de mesada de R$ 300 por mês. O dinheiro vai para a conta de alunos com bolsa integral de cursos que tenham seis horas ou mais de aulas por dia.
O MEC informa que Milena, que tem pai dono de bufê, recebe os R$ 300 desde abril de 2008. Belisa e Camila, desde agosto de 2008.
Por telefone, a coordenadora da Uningá Vânea Colombari disse: “Dependo exclusivamente desse rendimento que eu tenho dentro da instituição, não tenho condições financeiras nenhuma de bancar a mensalidade da minha filha”.
A faculdade informou que Vânea Colombari ganha R$ 2.900 por mês. Com esta renda, a filha dela - Camila - não poderia ter bolsa integral do ProUni.
O salário de Ney Stival não foi divulgado. O pai de Belisa e diretor de ensino da Uningá diz que não há irregularidades.
Repórter: Por que elas têm bolsa do ProUni?
Ney: Tinha bolsa sobrando.
Repórter: Ah, tava sobrando? Remanescente?
Ney: E tem ainda.
Ricardo Benedito de Oliveira, diretor geral da faculdade, deu a mesma justificativa.
Ricardo: A única procura que teve foi dessas duas moças, que casualmente são filhas de funcionários.
Repórter: Mas não poderia ficar sem as bolsas? Era obrigado a oferecer as bolsas?
Ricardo: Mas qual é o prejuízo das bolsas? Tem outra pessoa prejudicada por elas terem as bolsas? O fato é esse.
Repórter: É dinheiro público.
O diretor alegou ainda que a documentação apresentada pelas bolsistas atendia aos requisitos do MEC.
“A instituição não tem uma equipe de investigação pra saber se o fulano que há um tempo morava de aluguel, hoje mora num palacete”, diz o diretor.
Pelas regras do ProUni, a faculdade tem obrigação de pedir ao aluno que reapresente - pelo menos uma vez por ano - a documentação comprovando a baixa renda.
Na sexta-feira, um dia depois da entrevista do diretor geral, a Uningá enviou uma retificação dizendo que Belisa e Camila não tiveram o benefício mantido pelo ProUni em 2010, por não apresentarem a documentação necessária. O Ministério da Educação desmentiu essa informação: a faculdade cancelou as duas bolsas apenas na sexta-feira, depois de saber que o Fantástico preparava esta reportagem.
“Se for constatada a irregularidade, a instituição vai ser desvinculada, podendo inclusive responder judicialmente e até criminalmente pelos fatos”, afirma Simone Horta, coordenadora de supervisão do ProUni.
O futuro de todos os alunos de Medicina da Uningá é incerto. O MEC considera que o curso - criado em 2007 - é deficiente e não pode funcionar. Apesar disso, a faculdade conseguiu um mandado de segurança. Mês passado, a Justiça determinou a transferência dos alunos para outras instituições e que o MEC tome providências.
Atualmente, 450 mil universitários estudam graças ao ProUni. Ano passado, por causa de irregularidades, 1.700 bolsas foram canceladas e 15 instituições, desvinculadas.
Quanto às três jovens de Maringá, o MEC avisa: além de não estudar mais de graça, elas podem ter problemas com a Justiça.
“Elas devem responder judicialmente, devendo inclusive ressarcir os cofres públicos durante o período que estiveram com a bolsa. Se for constatada má fé, elas podem responder criminalmente por esses atos”, avisa Simone Horta.
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